
A ciência comportamental (behaviorismo) é uma ferramenta essencial nas análises da QUAD porque permite compreender com profundidade como os investidores realmente se comportam — e não apenas como deveriam se comportar segundo a teoria econômica tradicional. Na prática, decisões financeiras não são tomadas de forma puramente racional: emoções, vieses cognitivos e atalhos mentais influenciam fortemente a forma como as pessoas investem, poupam e assumem riscos.

Quad
26 de mai. de 2025
Mais do que na tomada de decisão de investimentos, o estudo do comportamento humano pode ser útil em quase todas as áreas que se possa imaginar. E com as políticas públicas não seria diferente. Não é à toa que países desenvolvidos têm usado cada vez mais as descobertas dessa ciência para balizar suas ações e forma de comunicação.
Apesar de o presente artigo não dizer respeito a investimentos e mercado financeiro, os insights aqui trazidos podem auxiliar o leitor a ter uma melhor compreensão da mente humana e como ela lida com o dinheiro.
Onde a Abordagem Antiga Falha
A forma como os governos pensavam tradicionalmente era assim: eles acreditavam que as pessoas são totalmente racionais. Ou seja, que todo mundo só decide as coisas pesando cuidadosamente os prós e contras pessoais. Embora isso aconteça em parte, essa visão não é a história completa, e só se basear nela faz com que muitas políticas não funcionem tão bem quanto poderiam.
Pense, por exemplo, nas campanhas contra o fumo. O governo gasta muito com doenças ligadas ao cigarro, então faz campanhas para as pessoas pararem de fumar. Mas muitas vezes, essas campanhas falham ou até têm efeitos inesperados, porque assumem que todos vão simplesmente parar de fumar porque é racional para a saúde e para o dinheiro público. Acontece que a vida real é mais complicada do que só "racionalidade".
Pequenas Mudanças Com Grande Impacto: Exemplos Práticos
No Reino Unido, uma equipe chamada Behavioural Insights Team (Equipe de Insights Comportamentais) conseguiu melhorar a cobrança de impostos. Em vez de mandar cartas cheias de leis complicadas e ameaças de multas, eles mudaram as mensagens para incluir normas sociais. Eles disseram algo como: "A maioria das pessoas na sua área já pagou os impostos". E funcionou!.Pesquisadores descobriram que as pessoas agem melhor quando a decisão não é complicada e quando veem que outras pessoas já estão fazendo o certo. É como se a gente pensasse: "Ah, se todo mundo faz, talvez eu deva fazer também".
Um outro exemplo legal aconteceu em San Marcos, Califórnia. Eles queriam que as pessoas economizassem energia. Começaram a enviar cartas comparando o consumo de energia de cada casa com a média dos vizinhos. Para quem gastava muita energia, ver que estava acima da média causou um sentimento negativo (talvez vergonha ou desconforto) que os motivou a reduzir o consumo em 10%.
Os 9 Princípios que Influenciam Nossas Decisões
O Institute of Government do Reino Unido publicou um guia baseado em muita pesquisa em psicologia e economia comportamental, listando nove fatores principais que afetam o comportamento das pessoas. Eles recomendam que quem cria as políticas públicas entenda e use esses fatores para ter sucesso. Vamos ver alguns deles de forma mais simples:
Quem Fala Importa (O Mensageiro): A gente é muito influenciado por quem nos passa a mensagem. Damos mais ouvidos a especialistas ou a pessoas de quem gostamos ou respeitamos. Um estudo sobre fumo mostrou um impacto enorme: adolescentes tinham 1000% mais chance de fumar se os amigos fumavam, mas só 26% mais chance se os pais fumavam. Para melhorar a alimentação de estudantes, o conselho funcionou melhor quando veio de alunos mais velhos (treinados por especialistas) para os mais novos – porque eram pares, gente "do mesmo grupo".
Não Gostamos de Perder (Aversão à Perda): Nossas decisões são guiadas por "atalhos mentais". Um atalho muito forte é que a dor de perder algo é maior do que a alegria de ganhar a mesma coisa. Kahneman e Tversky mostraram isso. Em um estudo para ajudar pessoas a perder peso, pediram que elas depositassem um dinheiro. Se atingissem a meta, recebiam o dinheiro de volta com um extra. Se não atingissem, perdiam o dinheiro. O medo de perder o dinheiro fez as pessoas perderem peso significativamente. A lição para os governos? É melhor focar no que a pessoa perde se não fizer o certo, do que no que o governo economiza ou no que ela ganha se fizer.
Eventos Raros Parecem Mais Prováveis: A gente tende a dar mais importância a coisas com baixa chance de acontecer, especialmente se a recompensa for grande, de forma que não corresponde minimamente ao que a expectativa matemática sugere. A loteria é o exemplo clássico: as pessoas acham que têm mais chance de ganhar do que realmente têm.
Separamos Dinheiro em "Gavetas" (Contabilidade Mental): Tendemos a dividir nosso dinheiro em categorias mentais: dinheiro para viagem, dinheiro para poupar, dinheiro para despesas fixas, etc.. É difícil "mover" dinheiro de um pote mental para outro. Podemos gastar R$ 10 de gasolina para ir a um lugar mais distante comprar determinado item que seria apenas R$ 5 mais barato do que se comprasse num local mais próximo, porque são "potes" diferentes. Para os governos, isso significa que, ao incentivar a gastar ou poupar, é bom deixar claro em qual "pote" mental essa ação se encaixa melhor, facilitando a decisão.
Preferimos o Agora do que o Futuro (Desconto Hiperbólico): A gente geralmente prefere receber algo menor agora do que esperar por algo maior no futuro. R$ 100 hoje parece melhor que R$ 120 (ajustado pela inflação) daqui a um ano. Pesquisas mostram que descontamos o valor do futuro de forma muito mais acentuada do que seria "racional". Isso é chamado de desconto hiperbólico. Quem cria políticas deve pensar nisso e ajustar os incentivos de tal maneira para que funcionem melhor. Um incentivo imediato pequeno é mais bem-visto do que um incentivo maior mas que só tem efeito no longo prazo.
Fazemos o que os Outros Fazem (Normas Sociais): Além de pensar nos resultados, somos muito influenciados pelo comportamento das pessoas ao nosso redor. O poder disso vem de um medo (consciente ou não) de sermos "punidos" socialmente se não seguirmos a norma. Se uma norma é boa, o governo deve mostrá-la explicitamente e dizer que muita gente já a segue. Por exemplo, para incentivar o uso do cinto de segurança, mostre o alto número de pessoas que já usam – porque as pessoas geralmente subestimam esse número. Em um experimento em um hotel em que havia um aviso para que as pessoas reciclassem as suas toalhas para salvar o meio ambiente, 35% adotaram o procedimento sugerido. Já quando o aviso incluiu a mensagem de que a maioria dos ocupantes anteriores usaram novamente cada toalha, a adesão subiu para 49,3%.
A Opção Padrão é Muito Poderosa (Default): Muitas vezes, as pessoas simplesmente ficam com a opção que já está selecionada automaticamente (a "opção padrão" ou default), mesmo que não seja a melhor para elas. É uma forma de não ter que decidir ativamente.
Prestamos Atenção no Novo e Relevante: Nosso cérebro é bombardeado por informações, então usamos filtros inconscientes. Mensagens novas, relevantes, simples e diretas (como slogans ou com elementos chamativos) têm mais chance de serem notadas. Também somos influenciados por "âncoras", informações iniciais que moldam nosso julgamento. Tendemos a rejeitar ideias que vão contra nossas crenças e focar no que confirma nossas âncoras (viés da confirmação). Eventos recentes também pesam mais na memória e no julgamento – se a janta estava deliciosa, mas ao final dela o garçom derramou bebida em você, esse último evento é o que ficará marcado.
A Primeira Impressão Conta Muito: Nossas ações e julgamentos são influenciados pelas primeiras coisas que percebemos. Não precisa ser algo subliminar, como no marketing. Palavras, sinais visuais, ou até cheiros podem ser a primeira impressão. Pessoas que viram palavras ligadas à velhice andaram mais devagar depois. Ver rostos felizes antes de beber algo estimulou mais o consumo. Sentir cheiro de limpador de chão em uma lanchonete fez as pessoas manterem suas mesas limpas. A influência da primeira impressão é real e forte. Governos podem tentar criar "involuntariamente" boas primeiras impressões que levem ao comportamento desejado.
As Emoções nos Movem: Nossas emoções têm um poder enorme sobre o que fazemos. Reagimos emocionalmente (às vezes contra nosso próprio interesse) a palavras, imagens, eventos, de forma muito rápida e automática, até antes de entender totalmente. Emoções podem levar a decisões otimistas (se estamos bem) ou pessimistas (se estamos mal). Em Gana, tentar convencer mães a usar sabonete pelos benefícios à saúde não funcionou. Elas só usavam sabonete se vissem a mão claramente suja. A campanha foi mudada para focar na emoção negativa do nojo/contaminação: um vídeo curto mostrava que ir ao banheiro "sujava" as mãos e precisava lavar com sabonete – e isso funcionou muito melhor.
Compromissos Públicos nos Seguram: A gente tende a seguir com os compromissos que tornamos públicos para outras pessoas ou grupos. Adiar coisas que nos beneficiam no futuro é comum. Tornar um compromisso público (como "Vou começar a correr amanhã!") aumenta o "custo" de não cumprir, porque nossa reputação está em jogo. Uma ideia para fumantes pararem de fumar foi criar uma conta onde eles depositam dinheiro por 6 meses; se não passarem num teste de nicotina depois disso, perdem o dinheiro.
Nosso Ego Gosta de se Sentir Bem: As pessoas agem de formas que as fazem se sentir melhor sobre si mesmas (nosso ego). Se algo dá certo, pensamos: "Fui eu que fiz!". Se algo dá errado, pensamos: "A culpa é dos outros!". Dizer a alguém que ela é "eficiente" a fará tentar agir de forma eficiente para manter essa autoimagem. Uma política que valoriza a imagem do cidadão pode ser mais eficaz. Pense em motoristas que se acham "acima da média" (93% dos estudantes americanos se veem assim). Ao criar regras sobre quantas horas um motorista profissional pode dirigir, o governo precisa considerar esse excesso de autoconfiança.
Conclusão
A Ciência Comportamental nos mostra que não somos apenas robôs super racionais. Somos influenciados por quem fala conosco, se temos medo de perder algo, pelo que os outros fazem, pela opção que vem pré-selecionada, pelo que é novo, pela primeira impressão, pelas nossas emoções, pelos compromissos que fazemos e por como nos sentimos sobre nós mesmos.